A Quaresma faz memória de Cristo

A Quaresma faz memória de Cristo, em seus quarenta dias pelo deserto, revivendo, na própria experiência, os quarenta anos do povo de Deus também no deserto. Com Ele, subimos a Jerusalém, percorremos o caminho da cruz, passamos pela morte até chegarmos à nova vida, dom do Pai, pelo Espírito.

A Quaresma é o “tempo favorável” para a redescoberta e o aprofundamento do autêntico discípulo de Cristo. É espaço para um novo nascimento. Somos chamados para assumir a penitência como método de conversão e unificação interior, como caminho pessoal e comunitário de libertação pascal. É tempo forte de escuta da Palavra, pois, através dela, vamos conhecer os desejos de Deus e praticar a sua vontade. A Quaresma é o tempo propício de renovação espiritual, uma espécie de retiro pascal estruturado no trinômio: oração, jejum e esmola (solidariedade, misericórdia).

Segundo Pedro Crisólogo, séc. IV, “o que a oração pede, o jejum alcança e a misericórdia recebe”.

A Quaresma é o tempo propício de nos colocarmos em espírito de penitência. Por isso, com o jejum, a oração e a esmola nós nos configuramos mais intimamente aos mistérios da paixão, morte e ressurreição de Cristo. Sofrendo um pouco de privação de alimentos e de bebidas neste tempo, saibamos unir-nos de algum modo aos homens para os quais é habitual a privação de alimento, de meios econômicos. O jejum se torna um gesto simbólico, denúncia profética da injustiça que nasce do egoísmo, solidariedade com os mais pobres. Assim, a preparação para a Páscoa se torna “Campanha da Fraternidade”, e a ceia do Senhor um gesto de pobreza, contrição, esperança, anúncio. Quem participa seriamente da paixão do Senhor, ainda hoje viva nos pobres da terra, sabe que a volta ao Pai – tanto a sua como o da comunidade – já começou, e que na mortificação da carne pode florescer o Espírito da ressurreição e da vida.

O jejum e a quaresma é um tempo em que damos maior liberdade a Deus para agir em nós, refreando os desejos instintivos – não só o apetite alimentício – não porem num espírito mesquinho e dualista, mas generoso e repleto de esperança, tratando de acompanhar aquele que se libertou completamente para, em obediência a Deus Pai, se doar por nó todos.

Impondo certas restrições aos nossos impulsos, abrimos maior espaço para Deus e seus filhos, que procuram um lugarzinho em nós! Mortificação, então, não significa gosto pela morte, mas morte ao homem natural, para deixar viver com mais vigor em nós o filho de Deus e irmão dos homens que somos.

Trilhemos esse caminho como discípulos, missionários e fiéis, seguindo os passos de Jesus. Este vence as tentações do demônio, revela a nós, mediante a transfiguração, que pela paixão e cruz chegará à glória da ressurreição e nos ensina a repensar o sim pessoal da fé, num encontro profundo com Ele, a exemplo da mulher samaritana, que recebe d’Ele a salvação, do cego de nascença, que começa a ver, do amigo Lázaro, que é ressuscitado.

Que a nossa Quaresma seja ecológica, também, nos preocupando com o meio ambiente e na sua preservação!

Padre Wagner Augusto Portugal V
igário Judicial da Diocese da Campanha(MG)

O caminho Batismal da Quaresma

Queridos irmãos e irmãs:

Marcados pelo austero símbolo das Cinzas, entramos no tempo da Quaresma, iniciando o itinerário espiritual que nos prepara para celebrar dignamente os mistérios pascais. As cinzas abençoadas, impostas sobre a nossa cabeça, são um sinal que nos recorda nossa condição de criaturas, convida-nos à penitência e a intensificar os esforços de conversão de para seguir cada vez mais o Senhor.

A Quaresma é um caminho, é acompanhar Jesus que sobe a Jerusalém, lugar do cumprimento do seu mistério de paixão, morte e ressurreição; ela nos recorda que a vida cristã é um “caminho” a ser percorrido, que consiste não tanto em uma lei a ser observada, mas na própria pessoa de Cristo, a quem vamos encontrar, acolher, seguir. Jesus, de fato, fala: “Se alguém quer vir após mim, renuncie a si mesmo, tome sua cruz, cada dia, e siga-me” (Lc 9,23).

Em outras palavras, diz-nos que, para chegar com Ele à luz e à alegria da ressurreição, à vitória da vida, do amor, do bem, também nós devemos carregar a cruz de cada dia, como nos exorta uma bela página da “Imitação de Cristo”: “Toma, pois, a tua cruz, segue a Jesus e entrarás na vida eterna. O Senhor foi adiante, com a cruz às costas, e nela morreu por teu amor, para que tu também leves a tua cruz e nela desejes morrer. Porquanto, se com Ele morreres, também com Ele viverás. E, se fores seu companheiro na pena, também o serás na glória” (L. 2, c. 12, n. 2).

Na Santa Missa do 1º Domingo da Quaresma, rezamos: “Concedei-nos, ó Deus onipotente, que, ao longo desta Quaresma, possamos progredir no conhecimento de Jesus Cristo e corresponder a seu amor por uma vida santa” (Coleta). É uma invocação que dirigimos a Deus porque sabemos que só Ele pode converter o nosso coração. E é sobretudo na liturgia, na participação dos santos mistérios, que somos levados a percorrer este caminho com o Senhor; é um colocar-nos na escola de Jesus, percorrer os acontecimentos que nos trouxeram a salvação, mas não como uma simples comemoração, uma lembrança de fatos passados. Nas ações litúrgicas, Cristo se faz presente através da obra do Espírito Santo, e esses acontecimentos salvíficos se tornam atuais. Há uma palavra-chave muitas vezes usada na liturgia para indicar isso: a palavra “hoje”; e esta deve ser entendida no sentido original, não metafórico. Hoje, Deus revela a sua lei e nos permite escolher hoje entre o bem e o mal, entre vida e a morte (cf. Dt 30, 19); hoje, “o Reino de Deus está próximo. Arrependei-vos e crede no Evangelho” (Mc 1,15); hoje, Cristo morreu no Calvário e ressuscitou dos mortos; subiu ao céu e está sentado à direita do Pai; hoje, recebemos o Espírito Santo; hoje é o tempo favorável. Participar da liturgia significa, então, submergir a própria vida no mistério de Cristo, na sua presença permanente, percorrer um caminho pelo qual entramos em sua morte e ressurreição para ter a vida.

 

Vida nova na Quaresma

Vida nova na Quaresma

 

Iniciamos o importante tempo da Quaresma! Durante este tempo somos chamados a aprofundar nossa vida cristã e caminhar em sincera conversão. Queremos renovar na Vigília Pascal os nossos compromissos batismais com o coração sincero. Iniciamos estes quarenta dias recebendo cinzas sobre as nossas cabeças, sinal de que reconhecemos que somos pecadores, que somos pó e ao pó voltaremos e, enquanto isso, aceitamos o chamado à conversão, acolhendo e crendo no Evangelho.

Iniciado com um dia de jejum e abstinência, iremos também vivenciar este tempo de penitência com atitudes concretas, significando a nossa disposição de corresponder com a graça de Deus que nos convida a uma verdadeira conversão – eis o tempo favorável, eis o dia da conversão!

A oração, o jejum, a esmola, a penitência, a lectio divina, a confissão, o arrependimento a que somos convocados devem estar presentes a cada instante.

A Campanha da Fraternidade será um outro tema que não só exigirá de nós uma mudança de mentalidade, mas, principalmente, uma mudança de atitudes, uma mudança de vida. Somos chamados a viver mais sobriamente e respeitar o nosso habitat.

Nos domingos que antecederam a Quaresma, escutamos o “Sermão da Montanha”, e assim tivemos oportunidade de nos preparar para este tempo oportuno. Diante de um tempo de vinganças e violências, a vida cristã é chamada a ser um sinal de um tempo diferente.

Jesus pronuncia algumas frases que são um impulso para o nosso modo de vida. A nova justiça que veio nos trazer parte do pressuposto de que a lei de talião, olho por olho, dente por dente, é substituída pela lógica do perdão e da não-violência, que não significa covardia ou aquiescência.

A lógica da não-violência também se manifesta em dar a outra face em nível de atitude e não apenas na aparência. Os cristãos não consideram o outro como inimigo, mas todos são pessoas que devem se amar e se respeitar, de modo que o violento torne-se não-violento. Ouvindo estas palavras, a primeira reação espontânea é um sorriso de descrença. Elas parecem, de fato, propostas absurdas.

A atitude de Jesus quebra o nosso orgulho, porque Ele é o exemplo vivo nesse caminho. Nós não somos chamados a perdoar a nível jurídico ou penal, mas aparecer desarmado diante das pessoas é a atitude que pode mudar uma mentalidade, vencendo a violência que está no coração do agressor.

Jesus convida-nos não só a opor-se à não-violência, mas para amar os nossos inimigos e orar pelos que nos perseguem.  Na verdade, a atitude do Pai para nós é assim. Além disso, se apenas saudamos as pessoas que vêm nos cumprimentar, somos como qualquer outra pessoa, enquanto a novidade do anúncio cristão consiste nessa mudança de mentalidade. Podemos reconhecer amargamente a distância de tal caminho!

Cumprir um gesto de amor gratuitamente, sem exigir qualquer recompensa, é viver no estilo do doar-se.

Ainda com o eco da “figura da nova humanidade” que ouvimos nos últimos domingos antes da Quaresma, sem dúvida que a iniciamos com o coração contrito e necessitado de transformação. Que o arrependimento nos ajude a acolher o dom de Deus dessa vida que em Cristo Jesus Ele nos promete. A raiz da moralidade cristã não consiste na relação com a paternidade de Deus, para o qual a lei para os cristãos é Jesus Cristo inserido no íntimo de cada um

Depois de escutarmos o “Sermão da Montanha” é claro que o dilema inicial permanece.  Pessoas que têm dificuldade para enfrentar, que são um fardo para nós, permanecem. Mas, talvez, pode gerar uma nova atitude: O estilo da acolhida, do deixar sempre a porta aberta, de não guardar rancor, para orar por eles, amá-los ainda mais.  A novidade cristã pode desbloquear as paralisias de nossas relações interpessoais. Jesus, por exemplo, fez. E de discípulos humildes.

Somos chamados a seguir o único caminho para a verdadeira paz: o caminho do amor. Eis agora a oportunidade de dar passos nessa direção: o tempo da Quaresma!

Dom Orani João Tempesta, arcebispo de São Sebastião do Rio de Janeiro