Jesus disse, no Evangelho, que amar é dar a vida pelos amigos ( Jo 15,13) e, geralmente, todos acham que isto quer dizer “ morrer pela pessoa amada”. Algumas vezes sim; nós tivemos a gloriosa era de trezentos anos de mártires cristãos que foram lançados ás feras, decapitados, queimados vivos pelos romanos, testemunhando, com seu sangue derramado, a Fé que tinham em Jesus Cristo. Mas, mesmo na Antiguidade pré – cristã, temos o caso da lenda grega em que uma jovem, Antígona, enfrentou a morte, decretada por seu próprio Tio Creonte, a fim de poder sepultar dignamente, com ritos religiosos, seu irmão Polinice, morto numa batalha contra Tebas. Ainda na mitologia grega, vários séculos antes de Cristo, em certa peça dramática de Eurípides, uma jovem esposa, Alceste, que dá nome à tragédia desse autor, oferece sua vida aos deuses para salvar a de seu marido e , de fato, morre por ele; mas os deuses a ressuscitam diante da grandeza desse amor… Entretanto, na lenda ou fora dela, como na realidade dos mártires cristãos, este casos foram relativamente raros se compararmos o número de cristãos que têm existido nestes dois mil anos. Dar a vida, no sentido evangélico ,até que me corrija a sabedoria de algum teólogo biblista, significa, creio eu, exatamente isto : dar a vida, isto é: viver para as pessoas que amamos. É neste sentido que devemos entender a expressão popular: Morrer de Amor! E aqui no vem à memória o belo pensamento de Mario Quintada, o grande poeta rio – grandense : O que há de mais saboroso neste mundo é morrer de amor e continuar vivendo. O verdadeiro amor, tanto para com Deus como para com homem ou mulher, vive sacrificando do seu próprio egoísmo que está sempre morrendo, enquanto o coração fica cada vez mais vivo, para agradar e fazer viver melhor a pessoa amada. É neste sentido também que devemos entender a frase que eu mesmo já citei tantas vezes: quem ama recria, dá vida nova ao bem amado. São as pequenas mortes cotidianas de quem nos ama que nos vão deixando cada vez mais vivos. Assim se deve entender a expressão tão comum, nos livros de espiritualidade: morrer para o pecado, morrer para os maus hábitos, etc… Quando Rute quis demonstrar o grande amor que tinha à sua sogra Noemi, primeiro lhe disse : Onde viveres também eu viverei e, só mais na frente, lhe disse: Onde morreres também eu morrerei (Rt 1,17,17) Morrer por alguém é bem mais fácil, dura o tempo de um último suspiro, talvez com alguma dor que, também, logo passa; mas viver uma vida inteira consagrada a Deus e à pessoa ou pessoas que amamos, envolve sofrimento de dias e meses e anos que desenvolvem também em nós o sentimento de uma verdadeira felicidade, sempre crescente. O autor destas linhas vem sentido isto nós últimos vinte e cinco anos que tem dedicado à manter uma creche para duzentas crianças carentes. O Livro dos Provérbios diz que os tolos morrem por falta de juízo ( Pr 10,21): Isto parece indicar – me que a morte, aqui, é a própria falta de juízo ou de sabedoria cristã que, a seu modo, é também faltar de Amor. François Mauriac, célebre romancista francês convertido ao catolicismo, tem uma frase muito original para dizer que o amor é uma espécie de calor vital que conserva vivas as pessoas amadas: No dia em que não mais no abrasarmos de amor , muitas pessoas morrerão de frio. Os cientistas e os governantes estão alarmados e os noticiários da hora presente assustam meio mundo: a terra está se esquentando demais! Curioso. Enquanto a terra se esquenta , os homens e mulheres se esfriam. Revistas católicas em todo o mundo comentam a frieza religiosa que ameaça congelar o nosso tempo. Desse jeito não há mesmo possibilidade de se morrer de amor, porque o amor de Deus é aquele que Jesus veio trazer ao mundo, sem parentesco algum com o gelo, por ser todo uma chama muito especial que nos aquece sem matar, nos faz morrer de amor e continuar vivendo: Eu vim trazer um fogo à terra e que coisa mais desejo senão que esta chama se espalhe! (lc 12,49).
Pe. Héber Salvador de Lima, Sj.