Tudo isso com um pouco de Poesia

 

Escada de Jacó, divina escada,

Caminho vertical, rumo da luz,

Por onde nossa vida, já cansada,

Sobe feliz aos braços de Jesus.

Mas, não sabia, entretanto nessa estrada,

Quando meus pés nesse caminho pus,

Que os degraus dessa estranha caminhada

Iriam dar nos braços de uma cruz.

No entanto, descobri que a cruz também

É uma escada de Fé, buscando o além,

Que jacó não subiu mas Jesus sim!

Bem pouco importa se a subida é dura;

Por isso, enquanto a vida em mim perdura,

Seguindo Cristo vou subindo assim!

Os Últimos degraus

No seu tratado sobre a velhice (De Senectute) o grande orador romano, Marco Túlio Cícero, uns cem anos antes de Cristo, disse que ninguém é tão velho que não possa viver mais um ano. Talvez ele estivesse certo, como está igualmente certa a velha frase popular: os velhos devem morrer e os jovens podem morrer. Isto quer dizer que apenas os que passamos dos oitenta anos já estamos certamente nos últimos degraus. Alexandre Dumas (Filho) dizia que a vida só se prolonga com vícios ou com um grande ideal. Não dá para aceitar a primeira parte dessa frase. Ninguém, em seu juízo perfeito aceitaria uma afirmação dessas, vendo nos vícios uma das causas de uma longa vida, quando a experiência diária está aí confirmando exatamente o contrário; mas a segunda parte é, certamente, uma inegável verdade. Um belo ideal pode levar qualquer ser humano a uma longa vida porque a ausência de vícios, além de intensificar o entusiasmo pela vida, é também a melhor garantia de uma boa saúde. Somente sobem na vida os que levam dentro de si uma vontade e um “ coração alpinista”, sempre voltado para as alturas. Portanto, reformulando a frase esquisita de Dumas, um grande ideal, combatendo os vícios, é o que alimenta nas pessoas a esperança de mais uns bons aninhos neste mundo. Isto é confirmado por Jesus que nos disse na mais bela das suas bem aventuranças: Felizes os puros de coração, porque eles verão a Deus, o que pode ser interpretado da seguinte forma: Felizes os puros de coração porque eles chegarão aos últimos degraus da Escada de Jacó, onde os espera Deus. O Filósofo grego Platão, sempre muito citado por escritores cristãos, apesar de ter vivido quatro séculos antes de Cristo, disse, na sua República, que a velhice é a paz e a libertação da turbulência que os sentidos causam nas nossas vidas. Bela afirmação, sobretudo quando se trata de pessoas que envelhecem com a paz de Deus na alma, fruto de uma Fé que os fez viver sempre com a atenção voltada para os ideais de uma vida verdadeiramente cristã. Entretanto, a consideração mais importante para esta página é esta: Todos querem viver muito, mas ninguém deseja ficar velho. Seria bom lembrar – nos de que a velhice só atinge a alma e o coração, quando faltou Fé e ideal cristão na juventude. Há muitos idosos com mais juventude na alma, do que esse jovens viciados e violentos que o noticiário falado e escrito nos mostra cada dia, perpetrando ações hediondas que estão levando nosso país a um profundo abismo de despudor e imoralidade. O crime e o pecado são o que existe de mais velho no mundo! Aos 88 anos de idade, sinto uma profunda alegria ao ver, olhando para trás e para baixo, a grande multidão que vem subindo comigo a Escada de Jacó, porque, através do Sacerdócio de Cristo, eu lhes mostrei os primeiros degraus e os ajudei na subida durante muitos anos. É sabido que ninguém vai ao inferno sozinho porque suas más ações e maus exemplos arrastam outros consigo. Igualmente, ninguém via ao céu sozinho porque, se as belas palavras dos bons e dos puros impressionam as pessoas, seus bons exemplos as atraem e impulsionam escada acima!.

Morrer de Amor !

Jesus disse, no Evangelho, que amar é dar a vida pelos amigos ( Jo 15,13) e, geralmente, todos acham que isto quer dizer “ morrer pela pessoa amada”. Algumas vezes sim; nós tivemos a gloriosa era de trezentos anos de mártires cristãos que foram lançados ás feras, decapitados, queimados vivos pelos romanos, testemunhando, com seu sangue derramado, a Fé que tinham em Jesus Cristo. Mas, mesmo na Antiguidade pré – cristã, temos o caso da lenda grega em que uma jovem, Antígona, enfrentou a morte, decretada por seu próprio Tio Creonte, a fim de poder sepultar dignamente, com ritos religiosos, seu irmão Polinice, morto numa batalha contra Tebas. Ainda na mitologia grega, vários séculos antes de Cristo, em certa peça dramática de Eurípides, uma jovem esposa, Alceste, que dá nome à tragédia desse autor, oferece sua vida aos deuses para salvar a de seu marido e , de fato, morre por ele; mas os deuses a ressuscitam diante da grandeza desse amor…          Entretanto, na lenda ou fora dela, como na realidade dos mártires cristãos, este casos foram relativamente raros se compararmos o número de cristãos que têm existido nestes dois mil anos. Dar a vida, no sentido evangélico ,até que me corrija a sabedoria de algum teólogo biblista, significa, creio eu, exatamente isto : dar a vida, isto é: viver para as pessoas que amamos. É neste sentido que devemos entender a expressão popular: Morrer de Amor! E aqui no vem à memória o belo pensamento de Mario Quintada, o grande poeta rio – grandense : O que há  de mais saboroso neste mundo é morrer de amor e continuar vivendo. O verdadeiro amor, tanto para com Deus como para com homem ou mulher, vive sacrificando do seu próprio egoísmo que está sempre morrendo, enquanto o coração fica cada vez mais vivo, para agradar e fazer viver melhor a pessoa amada. É neste sentido também que devemos entender a frase que eu mesmo já citei tantas vezes: quem ama recria, dá vida nova ao bem amado. São as pequenas mortes cotidianas de quem nos ama que nos vão deixando cada vez mais vivos. Assim se deve entender a expressão tão comum, nos livros de espiritualidade: morrer para o pecado, morrer para os maus hábitos, etc… Quando Rute quis demonstrar o grande amor que tinha à sua sogra Noemi, primeiro lhe disse : Onde  viveres também eu viverei e, só mais na frente, lhe disse: Onde morreres também eu morrerei (Rt 1,17,17) Morrer por alguém é bem mais fácil, dura o tempo de um último suspiro, talvez com alguma dor que, também, logo passa; mas viver uma vida inteira consagrada a Deus e à pessoa ou pessoas que amamos, envolve sofrimento de dias e meses e anos que desenvolvem também em nós o sentimento de uma verdadeira felicidade, sempre crescente. O autor destas linhas vem sentido isto nós últimos vinte e cinco anos que tem dedicado à manter uma creche para duzentas crianças carentes. O Livro dos Provérbios diz que os tolos morrem por falta de juízo ( Pr 10,21): Isto parece indicar – me que a morte, aqui, é a própria falta de juízo ou de sabedoria cristã que, a seu modo, é também faltar de Amor. François Mauriac, célebre romancista francês convertido ao catolicismo, tem uma frase muito original para dizer que o amor é uma espécie de calor vital que conserva vivas as pessoas amadas: No dia em que não mais no abrasarmos de amor , muitas pessoas morrerão de frio. Os cientistas e os governantes estão alarmados e os noticiários da hora presente assustam meio mundo: a terra está se esquentando demais! Curioso. Enquanto a terra se esquenta , os homens e mulheres se esfriam.  Revistas católicas em todo o mundo comentam a frieza religiosa que ameaça congelar o nosso tempo. Desse jeito não há mesmo possibilidade de se morrer de amor, porque o amor de Deus é aquele que Jesus veio trazer ao mundo, sem parentesco algum com o gelo, por ser todo uma chama muito especial que nos aquece sem matar, nos faz morrer de amor e continuar vivendo: Eu vim trazer um fogo à terra e que coisa mais desejo senão que esta chama se espalhe! (lc 12,49).

Pe. Héber Salvador de Lima, Sj.

Escultores de Almas

 

Aconteceu em Florença, a cidade dos grandes artistas. Um comerciante renascentista resolveu fazer de seu filho um bom escultor, capaz de rivalizar até com Miguel Ângelo, porque ele mostrava grande gosto e aptidão natural para essa arte, ao fazer seus bonecos e animais de barro. Confiou – o, então, ao mais renomado professor de escultura existente em Florença que também percebeu e confirmou o talento do seu novo aluno. Mas, enquanto o garoto progredia a olhos vistos na arte de talhar o mármore, o homem e o cristão que nele deviam também crescer estavam ficando cada vez mais para trás, sem que seu pai se preocupasse com isso. O garoto tornou – se conhecido, naquela escola de arte, como um sujeitinho orgulhoso, briguento e  debochado. Certo dia houve uma exposição de arte só para jovens artistas, num museu de Florença e o nosso candidato a “segundo Miguel Ângelo”, parou ante uma estátua de um colega seu, muito bonita, por sinal, e deu –lhe uma cuspidela, movido pela inveja e pelo desprezo. Seguiu – se o tumulto que era de se esperar e o professor do grupo agarrou o delinquente pelo braço, arrastou – o até a porta do salão e expulsou – o dizendo: Não apareça mais no meu atelier. Você não e  mais meu aluno. Não quero ter como aprendiz de escultura alguém que não saiba esculpir sua própria alma e seu humanismo. Esta  pequena história, que li, anos atrás, num livro italiano para adolescentes, fala por si mesma sobre a importância da formação do homem e do cristão, realizada simultaneamente com a do profissional e do artista. A Arte mais difícil e, ao mesmo tempo, mais importante e mais bela, é a que nos ensina a esculpir a nossa própria vida. Uma estátua de mármore só pode ser feita a golpes de marteladas numa talhadeira ou escopro, mas personalidades cristãos não são estátuas de pedra morta e não surgem dessa maneira. Elas nascem da fé, realizando – se nas ações da vida e de um grande amor ao próximo. As estátuas dos santos que hoje vemos em alguns altares, antes de serem pedra morta, já eram, quando viviam, aquelas pedras vivas com as quais se edifica o templo de Deus e sacerdócio santo, como nos diz São Pedro, na sua primeira carta : também vós sois como pedras vivas, erigidos em templo espiritual para um sacerdócio santo ( 1 Pd 2,5). Nosso Senhor não formou nenhum artista, mas deu ao mundo doze apóstolos que, mesmo sendo pescadores sem cultura alguma, foram transformados em escultores de almas. Cada um de nós, desde que veio a este mundo, foi convidado a olhar o perfil do nosso Salvador como modelo para se tornar outro Cristo, de acordo com a célebre frase de Tertuliano: Christianus, alter Christus, o cristão é um outro Cristo! Neste mundo, todos temos que ser escultores da nossa própria vida cristã, sob a ação não de escopros e martelos, mas da Graça de Deus e do Seu Amor. 

Coração entre o Ser e o Não Ser…

É muito conhecida a frase de Hamlet na famosa tragédia de Shakespeare: To be or not to be, that is the question: ser ou não ser, eis a questão. Tudo na vida deve passar pelo crivo dessa alternativa: ou somos o  que pensamos e devemos ser. Não se pode introduzir um meio termo no que se considera essencial ou fundamental numa vida. Não há lugar para meio Padre, meio marido ou meia esposa na Igreja; meio médico pode considerar -se cristão a partir do momento em que admita reservas nas exigências da Fé que diz ter. Não podemos escolher, entre os mandamentos, apenas aqueles que são de mais fácil observância e o mesmo se diga dos princípios da Igreja. O Fato de haver mais pecadores que santos não irá abrir as portas dos céus aos pecadores e deixar os santo do lado de fora. O leitor inteligente já estará vendo aqui a referência indireta a temas como homosexualidade, divórcio, aborto, liberdade sexual e alguns outros assuntos. Infelizmente a influência da mídia é uma realidade inegável e muito forte e só Deus sabe o poder que tem sobre as pessoas esta terrível frase, tão pequena no número de palavras como imensa nos seus efeitos : TODO MUNDO FAZ ASSIM! Geralmente entra aqui, como frequência, uma falsa noção de liberdade em frases como esta: sou dono(a) do meu corpo; faço o que ele me pede e foi Deus que me criou assim. Só que todos quantos assim pensam se esquecem de que o corpo não é o elemento principal do ser humano e sua ação deve estar sempre sujeita ao controle da razão, da inteligência, da vontade, do coração e, sobretudo, das leis emanadas do cristianismo a que dizemos pertencer. Existe também aqui bastante confusão entre liberdade física e liberdade moral. Um homem, com arma na mão, tem liberdade física de matar uma pessoa; jamais terá, porém a liberdade moral de fazê-lo, a não ser em caso de legítima defesa. Essa liberdade moral e inteligente sabe muito de onde ela termina e onde começa o direito dos outros. As coisas inanimadas e os animais não podem variar o seu modo de agir. Já o seu humano se define por essa prerrogativa de poder controlar os seus instintos, agindo contra eles a fim de ser racional e cristão. ele pode ser bondoso ou mau, trazendo em si o poder da opção livre que define o seu destino, tanto nessa vida como depois dela. Deus nos dá a existência, mas o uso que dela fazemos é escolha nossa. Tudo se resume nas palavras coerência, autenticidade, ao lado destas outras: inteligência, fidelidade, amor e dignidade, termos que definem com exatidão o que verdadeiramente somos, segundo nossa natureza humana de imagens e semelhanças de Deus. Diz Eusébio de Cesaréia, primeiro historiador do cristianismo, lá pelo ano 310, que nem todos os cristãos tiveram coragem de enfrentar a morte na perseguição romana daqueles três primeiros séculos. Houve muito que, ao verem os leões e os tigres esperando – os com rugidos de bocas abertas, no circo romano, renegaram a Jesus Cristo. Perguntando como isto aconteceu, ele respondeu magnificamente bem: É que , em alguns , a fé e o amor a Jesus Cristo iam dos pés até a cabeça, ao passo que noutros essa mesma fé e amor chegavam até a cintura! O coração ficava de fora! Ele disse tudo; não precisa de comentários.

A Missa das Criaturas

Quando vamos à missa, para elevar a Deus, com o sacerdote, a hóstia da adoração e do louvor, não pensamos no mistério de colaboração de inúmeras criaturas que aí se ajuntam e se congregam para elevarem conosco o pão consagrando. Ali está a pedra ou o mármore do altar, vindos de pedreiras distantes e dispersas, que sustentam de pé o sacerdote, ao longo da celebração. Estão ali os tijolos das paredes e, lá em cima, invisíveis, como que formando grande asa protetora, estão as telhas, essa argila amassada com o suor de tantos operários humildes e esquecidos para secarem-se, depois, ao calor do Sol. Lá estão presentes as lâmpadas  elétricas cuja luz veio de muito longe, nos ombros dos postes, escondida em quilômetros de fios, bolas ou tubos de vidro, luz sugada nas águas de represas enormes a fim de tomarem o lugar do sol, quando ele se for. Vejamos as velas, consumindo – se generosamente sob a ação da chama… Abelhas laboriosas as fizeram no seu corpo diminuto e, depois de as usarem para dar seu mel aos homens, guardaram sua cera para Deus. A vela é um eterno simbolismo da nossa redenção enquanto assim se consome em lento sacrifício e se transforma em luz da Salvação. Ali está o metal, tanto no cálice que vai conter o sangue de Jesus, como nos castiçais que seguram as velas para iluminar seu Deus. Nem falemos das flores, tantas delas! Em vez de murcharem nos canteiros dos seus jardins, escolheram vir ofertas suas cores e perfumes como homenagem de adoração ao Deus que as criou. Mais que tudo, porém estão ali o vinho e a água. O vinho que representa o sacrifício das uvas de tão lindas cores, nos seus cachos, deixando – se esmagar e morrer para ressuscitarem no sangue do Senhor e a água, a eterna responsável pela vida neste mundo e que, talvez por isso, o próprio Jesus, um dia, transformou em vinho nas bodas de Caná! E tantas coisas mais ali se encontram, como a brancura do linho, recobrindo o altar, lembrando os panos com que Maria forrou a manjedoura de Belém. Não esqueçamos os bancos que um dia foram árvores, balouçando os galhos ao sopro dos ventos e, agora, ali estão, imóveis e felizes pelo verniz que cobre, simbolizando o brilho da alegria que sentem em receber tantos adoradores… A Missa é, pois, uma oração do mundo, a grande prece de todas as criaturas, de mãos postas, ofertando seus préstimos a Deus por todos os homens e mulheres que não rezam nem participam do sacrifício do Calvário, repetido diariamente em todos os altares, renovando neles nossas esperança de eterna salvação. 

Algumas verdades sobre a mentira.

 

É conhecida a bela frase de Jesus: A verdade vos libertará (Jo 8,32). Infelizmente uma das maiores verdades da história é que a mentira sempre dominou o mundo, como diz o salmo 115 que S. Paulo repete na carta aos Romanos: Todo home é mentiroso (Rm 3,4). Jesus, que se definiu como Caminho Verdade e vida, numa violenta investida contra os fariseus, chama – os de filhos do demônio que Ele, logo em seguida, define como pai da mentira (Jo 8,44). A pior de todas as mentiras é a vida ou, em outras palavras, da vida com duas caras. Os atores dos dramas antigos gregos e romanos usavam grandes máscaras no rosto, para que desaparecesse, lá sobre o palco, a pessoa do ator e ficasse apenas o personagem da peça dramática. Hoje a máscara persiste, mas fora do teatro. Ela está na vida, por toda a parte, ao nosso redor. Continuamente estamos ouvindo falar de produtos, remédios e não sei quantas coisas mais, falsificadas. A maior falsificação ou mentira, porém está nas pessoas, nos políticos, por exemplo, que, em suas campanhas, fazem mil promessas a seus eleitores e, depois de eleitos, não cumprem nenhuma delas. O amor é também, muitas vezes, uma grande mentira. Quantos namorados(as) dizem um ao outro eu te amo, quando, na verdade, o que estão dizendo é: eu me amo em você, no bem estar e no prazer que você me dá! É por isso que tantos casamentos estão durando tão pouco: porque a mentira tem pernas curtas e logo a verdade a alcança. Antigamente dizia – se isso só dos homens, hoje, porém, com o mundo todo “catequizado” pela televisão e pela mídia em geral, pode – se dizer que temos seis de um lado e meia dúzia do outro. Está ficando relativamente raro o amor sem mentira, esse que assume a vida e a felicidade da pessoa amada, mesmo a custa de seu próprio sofrimento… mas uma das maiores mentiras – e a mais triste! – é a mentira religiosa de um cristianismo só de batismo e só de algum amigo ou parente. E o pior é que com tanta mentira pululando no mundo e na vida, nós ainda tenhamos que vê-la, muita vezes, usada contra a própria religião. Neste sentido é que Voltaire, dizia : Mintam ( contra a Igreja) mintam sempre! Alguma coisa sempre fica! (Mentez, mentez toujours; quelque chose em restera!) O texto mais impressionante, porém, para fechar esta reflexão, vem de quase três mil anos atrás, na voz do Profeta Oséias : Javé abre um processo contra os moradores do país, pois não há mais fidelidade nem amor nem conhecimento de Deus. Há só juramento falso e mentira, assassinato e roubo, adultério e violência, sangue vertido que se ajunta a sangue derramado (Os 4,1-2) Fantástico! Incrível! Será que, à distância de quase três mil anos, ele já conseguia ler os nossos jornais de Hoje?.

Ó de Casa !…

 

Um elemento muito interessante na história da conversão de Zaqueu é o fato de Jesus dizer-lhe: desce depressa (desta árvore) porque preciso estar em tua casa hoje (Lc 19,5). De fato, o fim da história foi aquela maravilhosa declaração de cristo: Hoje a salvação entrou nesta casa (Lc 19,9). Sim, porque ele, Nosso Senhor, é a salvação. Isso deixa bem claro para todos os cristãos que a salvação quer dizer Deus em nossa casa. A casa de cada um neste nosso contexto, é sinônimo da intimidade do próprio ser humano mais com seu espírito do que com as atividades externas da sua vida e será sempre entrando nesse mundo interior que ele encontrará Deus à sua espera. Destarte, a salvação é Deus na sua intimidade pessoal, na sua vida interior de que tanto falam os mestres da vida espiritual: é Deus conosco e nós com Ele. Foi por isso, diz o Profeta Baruc, que ele apareceu sobre a terra e viveu entre os homens (Br 3,35). Antigamente  era bastante comum encontrar-se, nas nossas residências, nalgum quadro ou placa, estes dizeres Deus esteja nesta casa! Evidentemente Ele nunca estará em moradia alguma se não estiver no coração dos seus habitantes. Quando queremos agradar a um (a) amigo (a) que nos visita, dizemos – lhe : A casa é sua! Sinta-se em casa! Seria, então, o caso de perguntarmos quantos de nós costumamos dizer a Deus, com frequência: Senhor, a casa é Vossa, referindo – nos, naturalmente, ao nosso coração e à nossa vida. Infelizmente, pode, às vezes, acontecer que o crucifixo esteja na parede e Jesus Cristo não esteja no coração. Entretanto ele insiste na sua vontade de entrar, conforme lemos neste lindo texto do Apocalipse: Eis que estou à porta e bato! Quem ouvir a minha voz e abrir a porta eu entro em sua casa e janto com ele e ele comigo. (Ap 3,20) O grande problema é que Jesus bate nas portas de todos os corações e, em muitos casos, não ouve resposta alguma vinda do lá de dentro… Está todo mundo na rua, fora de si… e ele fica batendo na porta de um coração vazio, gritando uma e muitas vezes: Ó  de casa!..

Uma Visão Agostiniana do Desejo

 

Santo Agostinho, comentando um salmo, lembra – se daquela frase de Jesus em lucas : É preciso orar sempre, sem cessar, e diz o seguinte: Acaso devemos estar continuamente de joelhos ou prostrados, ou de mãos sempre erguidas , porque Deus nos manda rezar sem cessar? Se nos fosse pedida tal coisa, não creio que seria possível obedecer. Há, pois, uma outra espécie de oração interior que é o desejo. O teu desejo é a tua oração. Se teu desejo for contínuo, continua será também tua oração (18,1). Essa expressão do santo pode parecer meio esquisita para quem possui da palavra desejo aquela noção ligada somente às coisas e prazeres deste mundo. Mas é preciso não nos esquecermos de que existem também desejos do céu, de Deus e da santidade. O Sábio escritor vem ainda em nosso auxílio, transformando nosso desejo agora em voz: Teu contínuo desejo é a voz constante da tua alma. Ficarás calado se deixares de amar. O frio do amor é o silêncio do coração e o fogo da caridade é o clamor do coração (Coment. Ao salmo 37,14). O Filósofo materialista Feuerbach , numa frase que já citei muitas vezes, diz que o homem é o que ele come, talvez por transformar em substância própria todo o alimento que lhe cai no estômago. Acho, entretanto, que ele apenas definiu o homem no seu aspecto animal, esquecendo – se de que o homem não é apenas corpo e nem este é sua parte mais importante. Visto à luz da Fé e de uma visão científica do ser humano a frase certa deve ser: O Homem é o que ele deseja e pensa; isto nos deixa mais perto de Santo Agostinho. Nossas ações são filhas dos nossos pensamentos e de nossos desejos. Conforme for a natureza dos nossos desejos, tal será o tipo e a dimensão existencial da nossa vida e, sobretudo da nossa religião. É coisa mais do que sabida que os pensamentos violentos geram inevitavelmente violência e os desejos só de prazeres materiais são responsáveis por toda essa luxúria e erotismo degradante que vem depravando o ser humano desde a torre de babel, de Sodoma e Gomorra. Santo Agostinho, no mesmo trecho que escolhemos para comentar aqui, transforma esse desejo de que nos falou acima em voz de Deus. Com isso ele pretendia dizer que está sempre falando com Deus e ouvindo a Sua Voz todo aquele que traz no fundo da alma e da vida essa suprema aspiração de estar com ele. De repente o desejo agostiniano já deixa de ser apenas voz e se transformar em amor: Se o teu desejo é contínuo e contínua a tua voz, calar-te-ás só se deixares de amar e , mais adiante: a frieza do amor é a mudez da alma; o fervor do amor  é o grito do coração. ( Liturgia das horas: sexta feira da III sem. Do Advento). Mas, é melhor pararmos por aqui porque as ideias de Santo Agostinho são um alimento que só pode ser saboreado por quem consiga subir às alturas em que ele próprio viveu, desejando sempre as iguarias de um banquete celeste, totalmente fora de alcance para quem rasteja neste mundo.

Como Atingir o Indefinível…

Um dos muitos falsos deuses gregos da era clássica tinha o nome de Amor, Eros. O nosso Deus verdadeiro não tem apenas o nome, Ele é verdadeiramente o Amor ( 1 Jo 2,16). Isso torna este sentimento tão indefinível quanto o próprio Deus que é um mistério inacessível. Há noções que estão fora do alcance das definições e das explicações e, entre estas, encontra-se o amor do qual tanto se fala em prosa e verso e pouco se vive em ações e atitudes. As explicações que tentassem definir ou explicar o amor ricocheteariam todas pelas tangente. Não nos levem a mal os casados se aqui deixamos de lado o amor conjugal… é que desejamos passar a um nível diferente em que poucos falam dele. Tente alguém explicar o amor de Sta. Tereza de Calcutá, dedicando toda a sua vida aos mais pobres e miseráveis deste mundo!. Experimente analisar o amor de um Martin Luther King, defendendo os direitos dos negros do seu país com a certeza de que uma bala o esperava a qualquer hora nalguma esquina! Defina, se puder o carinho interior do nosso saudoso Betinho que, morrendo aos poucos, dava aos pobres cada segundo da vida que lhe restava como se fosse uma gota de sangue da sua hemofilia ! Não há explicação para nenhum destes e para muitos outros. Existe apenas o êxtase dos nossos olhos interiores, imobilizados na contemplação desses panoramas humanos cuja beleza é tanto mais luminosa quanto é sórdido e tenebroso o mundo atual em que ela se projeta. Tudo isso está para além das palavras. Fica apenas  o recurso pobre de um grande oh! Dos nossos lábios parados, ecoando a admiração ainda maior do coração. É por isso que os santos verdadeiros nunca têm uma biografia que se possa dizer definitiva e final, sempre haverá alguma coisa a acrescentar. Quando um homem ou uma mulher deixa sua pátria e sua família para levar a mensagem de Deus a povos pagãos, nós os chamamos de missionários sem, entretanto, percebermos quanto existe de belo e de sublime por trás desse gesto. Em geral as pessoas, quando pensam em tais casos, se concentram no aspecto de renúncia e de sofrimento. É aí que as explicações saem pela tangente, porque o missionário é mais lucro do que perda, muito mais chegada do que saída, muito mais encontro do que solidão. E aqui termino com os olhos úmidos de lágrimas, pensando num ex – aluno meu, jesuíta, que pediu para ser missionário na África, porque seu avô negro nascera em Moçambique e ele, negro também, movido pelo amor da sua raça, queria levar-lhes a brancura da sua fé e do seu amor. Este foi o padre Waldir dos santos, barbaramente assassinado, faz pouco tempo, depois de muito trabalhar pelo seu povo, na África. Isto é amor; o resto é te-novela… excetuando, naturalmente, um bom número de casais que se fundiram numa só vida e misturaram o próprio sangue num só coração. Esses pertencem também à classe dos indefiníveis.